por Goura Nataraj.
Jardinagem e meditação são conceitos e práticas que se aproximam. Dedicar-se a um jardim requer disciplina, cuidado, dedicação, paciência, persistência e amor. Com a meditação também. Sem estas qualidades os jardins não florescem e a meditação não frutifica.
Ambas as práticas propõe um desaceleramento da mente e das percepções. Exigem uma capacidade de foco e abstração. Acima de tudo, nos colocam em contato com diferentes estados de consciência.
Falamos aqui, é claro, dos jardins que existem por causa do cuidado dos jardineiros, do olhar atento e amoroso de quem se dedica a observar a biodiversidade em seu quintal – seja ele em uma casa ou apartamento. É possível, nos dias de hoje, mesmo vivendo nos centros urbanos, criar condições para um contato ativo e dinâmico com a natureza. Dá para cultivar um pouco de tudo mesmo com um espaço mínimo. É possível ter ervas para chás, especiarias para a cozinha, folhas verdes para as saladas, flores coloridas e frutos saborosos para os pássaros. Basta vontade.
Com a meditação também. Podemos meditar em qualquer lugar. Não se exige um tapete especial, um incenso indiano ou um sino tibetano. Basta vontade.
Os locais apropriados para a prática da meditação, por sua vez, são descritos pelos mestres e pela literatura como áreas silenciosas, onde há abundância de tranquilidade, água e ar limpos, alimentos puros, bosques e demais facilidades que conduzam a mente a um estado de contemplação. Um belo jardim é, naturalmente, um bom local para se meditar.
Dos ashramas dos munis e rshis dos Vedas às considerações práticas de professores modernos como Shivananda, Prabhupada e Sri Aurobindo, o ideal de uma vida próxima da natureza é considerado oportuno e benéfico para o praticante. Como se num ambiente assim, longe do barulho das aglomerações, da lógica apressada dos comerciantes e do dinheiro, a própria mente fosse conduzida a um estado diferente, a uma conexão com outros ritmos de pensamento, favorecendo o acesso a esferas de importância muito mais amplas e universais do que o curto tempo de permanência das gerações humanas.
Entre os discípulos de Epicuro, na antiguidade, o ‘jardim’ já era considerado um local de aprendizado e desenvolvimento do espírito. Para os estóicos a virtude como o viver de acordo com a natureza implicava não apenas uma posição teórica, uma atitude do espírito, mas também um reconhecimento prático da dependência da lógica humana à lógica do universo. Viver de acordo com a natureza era uma ação que espelhava o logos – a harmonia das partes com o todo.
Schopenhauer, em sua hierarquia das artes, listava a jardinagem como uma forma digna de menção. Quanto mais livres fossem os jardins, considerava o filósofo, com mais intensidade a natureza ali estaria presente, com mais de sua vontade universal e inconsciente. Os jardins ingleses, com sua aparente desordem, estariam mais próximos deste ideal do que os jardins clássicos franceses, nos quais ‘a vontade do homem, o grande egoísta, sobrepuja a vontade da natureza.’
O cultivo de um jardim aproxima o homem dos ritmos da natureza, das leis imutáveis do cosmos, o sanatana dharma. Dedicar-se a jardinagem, sob esta perspectiva, pode significar uma mudança muito grande no padrão de nossos pensamentos e percepções. As crianças, nas cidades, crescem achando que o leite dá em caixinhas ou que alimento é aquilo que compramos em embalagens nos supermercados. Não conseguem reconhecer ou identificar as árvores que dão sombra e frutos no caminho por onde passam. Os pais tampouco se mostram interessados ou preocupados com isso. A ângustia e a ansiedade percorre toda a vida social, onde todos estão ‘na correria’, lutando incansavelmente por uma subsistência que esgota os poderes vitais e a energia de reflexão. De dentro dos vidros escuros dos carros a cidade torna-se um ambiente ameaçador, perigoso, onde é melhor não se estar. A jardinagem como prática de desaceleração e desalienação pode ser uma forma de libertar a mente da ansiedade e do medo, colocando-nos em contato com as coisas mais simples e importantes da vida – os ciclos da lua, o calor do sol, o sabor dos alimentos, a energia das plantas, o vôo dos pássaros, a vida e a morte. Os jardins, como a meditação, crescem e se enriquecem com o tempo.
O conceito de jardinagem libertária, utilizado recentemente para indicar ações de retomada do espaço público, também é rico em significações. Busca-se, através do plantio de árvores nativas nas áreas urbanas, a criação de territórios livres, de espaços de convivência, hortas comunitárias e o reflorestamento do ecossistema das cidades. A Jardinagem Libertária também é uma forma de tentar romper o ciclo de alienação ao qual somos submetidos, a impossibilidade de atuar criativamente no espaço público. É a critica da motorização individual e a completa ausência de estímulos à mobilidade limpa. Como a meditação, a jardinagem libertária também busca a liberdade.
Deseja-se ouvir a natureza, respeitar os elementos que constituem nossos corpos e mentes e utilizar as ferramentas disponíveis para a transformação das comunidades e cidades em ambientes de desenvolvimento do espírito e da consciência.
Marcuse, resume esta reflexão nos seguintes termos:
“Em última análise, a luta pela ampliação do mundo da beleza, da não-violência, da tranquilidade, é uma luta política. A insistência nestes valores, em restaurar a Terra como meio ambiente humano, é não só uma idéia romântica, estética, poética, que concerne aos privilegiados: é, hoje, uma questão de sobrevivência. É preciso que os homens aprendam por si mesmos que é indispensável mudar o modelo de produção e consumo, abandonar a fabricação de elementos bélicos, de coisas supérfluas, de artefatos, e substituí-la pela produção de objetos e serviços necessários para vida de menos trabalho, de trabalho criador, de prazer.”
Pois bem, dá pra começar cultivando alguns vasos, abrindo alguns canteiros, cantando alguns mantras, espalhando sementes e observando a cidade com um olhar mais atento. ‘Aqui dá pra plantar um Guapuruvu. Ali podemos fazer uma linha de Ipês. Nos pés deles vamos colocar girassol, linhaça, malva, manjericão e melissa. Mais adiante uma cerca viva de cosmos e ora-pro-nobis.’
Usando a criatividade e a ousadia os jardins ficam ainda mais belos. A meditação também!